A descoberta do mundo é o primeiro trabalho de crônicas
de Clarice. Mais do que ousar em um novo estilo literário, até então
incomum em sua obra, a escritora faz desta publicação um diário de
bordo da sua vida: paixões, histórias, entrevistas, filmes, enfim, tudo o
que participou de alguma forma de sua existência.
São 468
títulos de crônicas publicadas aos sábados no Jornal do Brasil
— certos dias agrupam várias delas, pequenas — entre 1967 e 1973 e,
curiosamente, muitas delas poderiam ser republicadas hoje sem que
ninguém percebesse a passagem dos anos. Algumas reflexões são
atuais e atemporais. Personagens e pessoas que passaram por sua
história, como suas empregadas Aninha e Jandira, e uma jornalista,
Cristina – ela não cita os sobrenomes –, são retratados em passagens
da memória de Clarice. O livro é dividido em dias, como se fosse um
diário, mas sempre entre realidade e ficção. Esta última, no entanto,
revela com fidelidade as incertezas que cercavam sua enigmática
personalidade.
A vida cotidiana e os acontecimentos no
Brasil daquela época permeiam a narrativa. Em meio aos devaneios
permanentes que foram marca pessoal da autora, surgem importantes
nomes da cultura brasileira e latino-americana. Em uma das crônicas,
por exemplo, a atriz Fernanda Montenegro é elogiada por seu
desempenho na peça "A volta ao lar", de 1967. Em
outra, a autora conta como conheceu Chico Buarque, sem esconder
que esse foi um momento especial: "Quando meus filhos
souberem que eu o vi vão me respeitar mais."
Há ainda
uma entrevista com o educador Alceu Amoroso Lima e uma pequena
conversa com o poeta chileno Pablo Neruda, quando este esteve no
Brasil, em abril de 1969. Embora não seja romance, seu estilo habitual,
este livro reflete da mesma maneira o pensamento irrequieto de Clarice
Lispector. São pequenas confissões, cartas, histórias, "causos" da
escritora que até hoje intriga profundamente os apaixonados por sua
literatura, e até mesmo aqueles menos aficionados. Como poucos
autores brasileiros – embora, no livro, ela se autodefina "um escritor,
sem sexo ou com os dois, como outro em qualquer lugar do mundo",
ela coloca em sua obra marcas extremamente pessoais, que no
entanto se confundem com os questionamentos de qualquer ser
pensante.
Sobre a autora
Clarice
Lispector nasceu na Ucrânia, em 1920, na cidade de Tchetchelnik,
vindo para o Brasil dois anos depois com os pais e mais duas irmãs.
Primeiro fixaram residência em Maceió e depois em Recife, onde a
escritora passou sua infância. Em 1930, Clarice perde a mãe e vem
com o pai e as irmãs para o Rio de Janeiro, onde se forma em Direito
e casa-se com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem teve
Pedro e Paulo, seus filhos. Em 9 de dezembro de 1977 morre de
câncer.